Observando que o debate sobre o transporte
escolar dos alunos do IFMA está girando em torno do passe livre, objetivando
que a prefeitura faça o custeio destes passes, resolvi fazer algumas pesquisas
sobre o transporte escolar. Após a pesquisa, constatei que, a meu ver,
analisando a constituição, outras leis e programas federais, os alunos da rede
federal não têm "direito" ao transporte gratuito pago pelo município.
Constatei ainda que os alunos deveriam cobrar tal benefício do governo federal,
que é o responsável pelo ensino ofertado na instituição, senão, vejamos o que
diz a Constituição Federal:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos
Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá,
em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do
ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de
1996).
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental
e na educação infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de
1996)
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e médio.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de
modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de
2009)
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino
regular. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
Pelo texto constitucional, portanto, os
municípios atuarão no ensino fundamental e na educação básica (§ 2º). O
município pode conceder auxílio, mas não como um direito, pois é uma
prerrogativa do gestor municipal. No entanto, o debate não se encerra aqui,
pois é preciso analisar os programas ofertados pelo Ministério da Educação para
o transporte escolar.
Em pesquisa no site do FNDE (Ministério
da Educação), encontrei o que segue:
O Ministério da Educação executa atualmente dois programas
voltados ao transporte de estudantes: o Caminho da Escola e o Programa Nacional
de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), que visam atender alunos moradores da
zona rural.
O Caminho da Escola foi criado pela Resolução nº 3, de 28 de março de 2007,
e consiste na concessão, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), de linha de crédito especial para a aquisição, pelos estados e
municípios, de ônibus, miniônibus e micro-ônibus zero quilômetro e de
embarcações novas.
Já o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate)
foi instituído pela Lei nº 10.880, de 9 de junho de 2004,
com o objetivo de garantir o acesso e a permanência nos estabelecimentos
escolares dos alunos do ensino fundamental público residentes em área rural que
utilizem transporte escolar, por meio de assistência financeira, em caráter
suplementar, aos estados, Distrito Federal e municípios.
Com a publicação da Medida Provisória 455/2009 –
transformada na Lei no 11.947, de 16 de junho do
mesmo ano –, o programa foi ampliado para toda a educação básica, beneficiando
também os estudantes da educação infantil e do ensino médio residentes em áreas
rurais.
O programa consiste na transferência automática de recursos
financeiros, sem necessidade de convênio ou outro instrumento congênere, para
custear despesas com reforma, seguros, licenciamento, impostos e taxas, pneus,
câmaras, serviços de mecânica em freio, suspensão, câmbio, motor, elétrica e
funilaria, recuperação de assentos, combustível e lubrificantes do veículo ou,
no que couber, da embarcação utilizada para o transporte de alunos da educação
básica pública residentes em área rural. Serve, também, para o pagamento de
serviços contratados junto a terceiros para o transporte escolar.
Os estados podem autorizar o FNDE a efetuar o repasse do valor
correspondente aos alunos da rede estadual diretamente aos respectivos
municípios. Para isso, é necessário formalizar a autorização por meio de ofício
ao órgão. Caso não o façam, terão de executar diretamente os recursos
recebidos, ficando impedidos de fazer transferências futuras aos entes
municipais.
Os valores transferidos diretamente aos estados, ao Distrito
Federal e aos municípios são feitos em nove parcelas anuais, de março a
novembro. O cálculo do montante de recursos financeiros destinados aos estados,
ao Distrito Federal e aos municípios tem como base o quantitativo de alunos da
zona rural transportados e informados no censo escolar do ano anterior.
O valor per capita/ano varia entre R$ 120,73 e R$ 172,24, de
acordo com a área rural do município, a população moradora do campo e a posição
do município na linha de pobreza.
O Programa Nacional de Apoio ao Transporte
Escolar (Pnate), visa atender o transporte de alunos entre a zona rural e a
zona urbana. Não encontrei a possibilidade de o programa conceder o beneficio
inverso, quando os alunos se deslocam da zona urbana para a zona rural, como é
o caso dos estudantes do IFMA de São Raimundo das Mangabeiras.
Ainda sobre a possibilidade do gestor
municipal, a seu critério, garantir o transporte, encontrei como exemplo a
cidade de Codó, aqui no Maranhão (Veja
matéria de 2013 aqui). Lá, a gestão municipal conseguiu aprovar a lei nº
1.560, sancionada em 2011. O município garante o transporte gratuito por seis
meses e o IFMA pelos outros seis meses. Ou seja, a prefeitura garante 50% do
transporte. Em São Raimundo das Mangabeiras, o IFMA tem o auxílio transporte,
no entanto, este não atende a todos os alunos. Portanto, a parceria entre a
prefeitura e o IFMA pode ser uma solução para a questão.
Quanto à possibilidade da prefeitura
garantir este benefício a partir de 2016, observo que existe um fato
complicador, que é a legislação eleitoral. A Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 10,
estabelece que: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a
distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração
Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de
programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício
anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de
sua execução financeira e administrativa”. Neste caso, acredito que a
criação e execução de uma lei que garanta o auxílio transporte em 2016
infringiria a legislação eleitoral. Mas, isso não impossibilita o debate.
Conclusão
A manifestação dos alunos do IFMA em prol
do transporte escolar gratuito é legitima. Por outro lado, a prefeitura
municipal não tem obrigação legal de garantir o transporte, uma vez que a
instituição é mantida pelo governo federal, portanto, caberia a este garantir
este benefício. Embora não seja obrigação do município, o gestor municipal pode
criar uma lei que conceda o benefício aos estudantes. Porem, por ser ano
eleitoral, acredito que o gestor não poderá executar uma lei deste tipo em
2016, mas acredito que isso não impeça o debate e a aprovação da lei neste ano,
dúvida que pode ser sanada junto ao Promotor de Justiça ou ao Juiz eleitoral.
Como solução para o impasse, apresento as
seguintes sugestões:
1. Que o município negocie com a empresa a
redução da passagem, uma vez que o reajuste foi de 44%, um percentual
notadamente alto.
2. Que o IFMA garanta auxílio transporte
ao maior número possível de estudantes.
3. Propor que o executivo e o legislativo,
com a intermediação do Ministério Público, debatam a criação de uma lei que
garanta o auxilio transporte aos estudantes do IFMA, com a garantia de recursos
para o exercício de 2017.
Por fim, esta pesquisa surgiu ao observar
que faltava maior debate das questões jurídicas que envolvem o caso. O debate
de ideias deve passar pela análise da legislação vigente. Quanto a isto, os
professores do IFMA poderiam dar maior contribuição aos estudantes, propondo e
auxiliando o estudo do contrato de concessão entre a empresa de ônibus e a
prefeitura, estudo da lei que instituiu o transporte público no município,
estudo da legislação sobre transporte escolar, estudo da parte da constituição
que define as atribuições de cada ente federado e a busca de exemplos de como o
serviço é ofertado em outros lugares. O estudo das leis, certamente, ajuda a
dar maior racionalidade ao debate. Apenas gritar que temos direitos a isso e/ou
àquilo, embora a causa seja justa, não significa que verdadeiramente os temos,
como observado neste caso.
Portanto, a resposta à pergunta do título
é: Não, os alunos do IFMA não têm direito ao transporte escolar gratuito pago
pela prefeitura. No entanto, a gestão municipal deve ter sensibilidade com o
caso e garantir auxílio transporte aos alunos, uma vez que a escola federal
garante muitos outros benefícios ao município.
A atitude de coragem e ousadia dos alunos
é louvável, pois sem essa atitude este debate não estaria sendo travado, este
simplório texto também não teria sido escrito, pois o comodismo tende a nos
paralisar. É importante destacar também que as manifestações, caso aja outras,
devem presar pela ordem, pelo respeito aos bens privados e públicos e
à honra de todos.
Este texto não encerra o debate, pois a
legislação brasileira é muito ampla. Por isso, convido alunos, professores,
juristas, políticos do município e quem mais desejar a também pesquisarem e
escreverem textos sobre o tema. O blog Memórias de Mangabeiras está aberto para
publicar esses textos.