quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Opinião: Em defesa da não realização de shows com dinheiro público; Educação deveria ser prioridade



Desde que comecei a entender a sociedade em que estou inserido venho passando por muitas metamorfoses. Geralmente ouvia professores falando de direitos, que temos que lutar por eles, que temos direito a isso e aquilo. O ser onipresente chamado estado (governos municipais, estaduais e federal) deve cuidar de nossas vidas e garantir a nossa segurança, garantir que tenhamos acesso a educação, saúde, cultura, esporte, lazer, infraestrutura de qualidade, aposentadoria e muitas outras coisas boas. O tempo passa e a realidade nos dá um tapa na cara, nos mostra que os serviços públicos não são bons, a educação não é de qualidade, assim como a saúde, a segurança, a infraestrutura, a cultura e o lazer.

Nesta jornada de aprendizado que é a vida, depois de ler algumas coisas (pois ler nunca é muito) e refletir bastante sobre muitas questões sociais e políticas, entendi que alguns serviços públicos podem ser destinados a todos os cidadãos e que outros não, pois dependem dos anseios culturais de grupos distintos, como os grupos religiosos, por exemplo. A partir disso foi possível concluir que muitas ações voltadas para a cultura e o esporte, por exemplo, não são para toda a sociedade, mas sim para grupos de pessoas que se interessam por essas áreas. O dinheiro público seria melhor investido se determinadas políticas públicas estivessem inseridas em outras, como a cultura e o esporte inseridas na educação. Este texto não é insuficiente para abordar tudo sobre a questão, mas é possível resumir e chegar ao objetivo, que é defender que o dinheiro público não seja aplicado em shows, algo muito comum em todo o Brasil, e que esses recursos teriam melhor retorno se fossem destinados à educação, em beneficio da cultura e do esporte.

A cultura e o esporte, no âmbito público, deveriam estar restritas aos ambientes em que é possível abranger o maior número possível de indivíduos, tendo como objetivo de longo prazo o desenvolvimento da nação. No cenário político administrativo que temos o melhor lugar para investir em cultura e esporte é no âmbito educacional. Portanto, cultura e esporte deveriam ser políticas públicas dentro da escola. Fora da escola a iniciativa privada poderia conduzir o processo. Além de aumentar e focalizar os recursos e de profissionalizar mais jovens nas diversas práticas esportivas e culturais, tal iniciativa possibilitaria o surgimento de um mercado competitivo voltado para essas áreas. Associações e empresas poderiam ser criadas para organizarem competições em diversas áreas, uma vez que já existiria um público ávido pelos esportes, que seriam os ex-alunos. Novos talentos, como músicos, cantores, compositores, atores, produtores, poetas e outros poderiam sair do ambiente escolar instigados a buscarem profissões na área cultural. Assim como no esporte, poderia ser fortalecido todo um mercado voltado para a cultura ou entretenimento.

Em três parágrafos, é possível observar que é preciso investir nas escolas e que esses investimentos, se bem planejados e bem executados, possibilitariam a ascensão de dois grandes mercados, possibilitando maiores e melhores resultados para o Brasil. Na atualidade, observa-se que os setores cultural e esportivo podem crescer muito no país. No esporte, deixamos de ser o país do futebol, pois muitos países se profissionalizaram enquanto o Brasil criou um monopólio comandado pela CBF, que é constantemente envolvida em escândalos de corrupção. Na música, o que se observa é a proliferação de musicas descartáveis, mesmo assim é um setor bastante diversificado no país. O teatro e o cinema estão restritos ao sudeste e/ou às capitais, mesmo assim não se comunicam com as massas, não existe diversidade que reflita a complexidade que é o Brasil. Por outro lado, a violência aumenta e os autores dos atos são cada vez mais jovens. Jovens que deveriam estar nas escolas estudando e aprendendo os feitos científicos da humanidade, praticando um esporte e aprendendo uma arte.

Investir na educação deixando de gastar dinheiro público com o que não produz resultado é investir no longo prazo, é investir em um futuro melhor para toda a nação. Hoje, a justificativa para a realização de shows com dinheiro público é que esses eventos são importantes para os vendedores ambulantes, para os hotéis, para as indústrias de bebidas e para o entretenimento da massa, acostumada ao famoso pão e circo, o que torna difícil introduzir este debate... Não existe relato de que após um show com dinheiro público os índices educacionais melhoraram. “Mas, os vendedores ambulantes não teriam trabalho!” Exclama alguém. Os vendedores ambulantes de hoje eram os alunos que deveriam ter recebido maior atenção no passado. Mas, o desenvolvimento com foco na educação não impediria que vendedores ambulantes continuassem com as suas atividades, pois os eventos esportivos e culturais poderiam aumentar e não diminuir, com a diferença de que o dinheiro público estaria sendo investido no início da cadeia produtiva, na educação dos profissionais que “agora” são remunerados pelo público consumidor dos serviços culturais e esportivos. O incentivo à educação poderia possibilitar ainda a motivação de pessoas interessadas em ingressarem nesta área. Muitos alunos poderiam ser professores ou empresários da educação. São apenas alguns exemplos, sem citar todas as demais áreas, que passariam a contar com profissionais mais qualificados.

Hoje, o mesmo individuo que reclama que não existe leito e médico no hospital é o mesmo que reclama se o prefeito ou o governador decidir não fazer o carnaval ou o show gospel, que agora também está na moda. Por falar em show gospel, volto à questão da abrangência de determinados serviços públicos com o exemplo deste tipo de evento. Como não é possível abranger todos os públicos com o show de um cantor sertanejo ou de uma banda de forró, uma vez que muitas pessoas não gostam destes estilos, muitos estão passando a cobrar shows públicos de acordo com os seus gostos, como shows evangélicos e/ou católico. Ou seja, ao invés do cidadão que reclama de problemas estruturais ou dos problemas na saúde pedir para que o dinheiro público não seja gasto com shows ele pede para que seja feito um show com o cantor da igreja dele. Com isso, o gasto do dinheiro público com esse tipo de evento tende a aumentar ao invés de diminuir. O caos nos demais serviços é visível.

Atente para o fato do texto não abordar outro problema que afeta os serviços públicos brasileiros, a corrupção, algo que demandaria mais alguns parágrafos. Mas, quanto à questão da correta aplicação dos recursos públicos, sempre chamo a atenção para o fato da sociedade não cobrar dos vereadores o cumprimento de suas funções. Este cargo deveria ser o mais importante cargo público brasileiro, uma vez que cabe a essas pessoas fiscalizarem a aplicação dos recursos públicos. Acontece que, como você pode observar em sua cidade, os vereadores são considerados assessores/ subsecretários dos prefeitos. Para que aja uma verdadeira fiscalização do poder executivo, por parte do poder legislativo, seria preciso que os vereadores atuassem com independência, ou seja, não deveria existir vereador de situação e nem de oposição. Leia mais sobre o tema neste link.

Olhando para a questão imediata da educação, um show com dinheiro público seria suficiente para climatizar algumas dezenas de salas de aula ou para ajudar na construção de quadras esportivas e/ou auditórios nas escolas, ou ainda para a construção de prédios mais modernos. Resta saber se os indivíduos estão prontos para este debate. Infelizmente, pelo que observo cotidianamente, é cada vez maior o número de pessoas desmotivadas com a política. Muitos, no sentido oposto, adotaram a prática de vender o voto, pois assim conseguem algo de concreto dos políticos.

Por fim, elenco alguns entendimentos necessários para a percepção dos problemas sociais e políticos que temos no Brasil. 1) Dinheiro público não é inesgotável; 2) É preciso elegervereadores que cumpram com a sua função; 3) Independentemente de haver ou não show com dinheiro público é preciso investimento em esporte e cultura nas escolas; 4) Os jovens precisam entender o processo político e os problemas do sistema que temos; 5) Os jovens devem participar mais da política, inclusive como candidatos; 6) Se você não quer ser governado por políticos corruptos não venda o seu voto e busque fazer com que as eleições sejam menos corruptas; 7) Se o político ganha a eleição comprando votos ele não irá cumprir com todas as suas obrigações e promessas e permanecerá na vida pública por muitos anos, alguns estão há décadas; 8) Político corrupto é eleito por eleitor corrupto.